segunda-feira, 1 de novembro de 2010

DA LUTA ARMADA AO PALÁCIO DO PLANALTO

Filha de um imigrante búlgaro com uma professora fluminense, quando criança, Dilma Vana Rousseff pensava em ser bailarina, bombeira ou trapezista. Mas já na juventude se apaixonou pelos ideais socialistas. Entrou na política como técnica e sua capacidade gerencial a levou a ser nomeada titular do Ministério das Minas e Energia. De lá para ser indicada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) como sucessora de Lula foi um pulo. Ontem, a mineira de belo Horizonte fez história ao ser eleita a primeira mulher presidente do Brasil. Nascida no dia 14 de dezembro de 1946, em Belo Horizonte, em família de classe média alta e educada de modo tradicional, Dilma era parte da elite mineira. Cursou a pré-escola no colégio Isabela Hendrix e a partir de 1955 iniciou o ensino fundamental no Colégio Nossa Senhora de Sion, em Belo Horizonte. Durante a adolescência, a jovem começou a ler autores socialistas. O ano era 1964 e o país passava por um de seus períodos mais conturbados, logo após o Golpe Militar. Foi nessa época que Dilma iniciou sua militância e passou a integrar organizações que defendiam a luta armada contra o regime militar – como o Comando de Libertação Nacional (COLINA) e a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares). Em janeiro de 1970, Dilma foi abordada pela polícia do regime e, como estava armada, acabou presa. Levada para a Operação Bandeirante (Oban), ela foi torturada com palmatória, socos, pau-de-arara, choques elétricos. Maria Luísa Belloque, uma companheira de cela, confirma as diversas formas de tortura sofridas pela então militante de esquerda. Posteriormente, Dilma denunciou as torturas em processos judiciais, inclusive dando nome de militares que participaram dos atos. Dias depois da prisão de Dilma, seu companheiro Carlos Araújo também acabou pego pelos militares. Ficaram alguns meses no mesmo presídio Tiradentes, em São Paulo. Dilma foi condenada em primeira instância a seis anos de prisão. Já havia cumprido três quando o Superior Tribunal Militar reduziu sua condenação a dois anos e um mês. Teve também seus direitos políticos cassados por dezoito anos. Em dezembro de 2006, a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro aprovou um pedido de indenização por parte de Dilma e outras dezoito pessoas presas em dependências de órgãos policiais do governo estadual paulista na década de 1970. Ela também ingressou com uma ação contra o Governo Federal e as indenizações, fixadas em lei, podem chegar, somadas, a R$ 72 mil. Conforme a assessoria de Dilma, os pedidos tem um caráter simbólico, além do que teria solicitado que os processos só fossem julgados após seu afastamento dos cargos públicos.
Porto Alegre
Dilma saiu do Presídio Tiradentes no fim de 1972, passou um período com sua família em Minas Gerais para se recuperar e depois mudou-se para Porto Alegre, onde Carlos Araújo cumpria os últimos meses de sua pena. Foi na capital gaúcha que ela decidiu voltar a estudar – havia sido expulsa da Universidade Federal de Minas Gerais por subversão. Foi aprovada para o curso de Ciências Econômicas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e se formou em 1977, não tendo participado ativamente do movimento estudantil. No ano anterior, em março, nasceu sua única filha, Paula Rousseff Araújo. A militância política, desta vez dentro da legalidade, foi reiniciada no Instituto de Estudos Políticos e Sociais (IEPES), ligado ao único partido legalizado de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Mesmo não tendo se filiado ao partido, Dilma organizava debates no instituto, que recebia palestras de intelectuais como Francisco de Oliveira, Fernando Henrique Cardoso e Francisco Weffort. A partir de 1978, Dilma passou a frequentar a Universidade Estadual de Campinas, com a intenção de cursar mestrado. Nessa época, participava de um grupo de discussão em São Paulo com outros ex-integrantes da VAR Palmares. Embora matriculada, Dilma nunca concluiu o curso de mestrado.
Carreira política
Com o fim do bipartidarismo, participou junto com Carlos Araújo dos esforços de Leonel Brizola para a recriação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Após a perda da sigla para o grupo de Ivete Vargas, participou da fundação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Dilma conseguiu seu segundo emprego na primeira metade dos anos 1980 como assessora da bancada do PDT na assembleia legislativa do Rio Grande do Sul. Araújo e Dilma dedicaram-se com afinco na campanha de Alceu Collares à prefeitura de Porto Alegre, em 1985. Eleito prefeito, Collares a nomeou titular da Secretaria Municipal da Fazenda, seu primeiro cargo executivo. Dilma permaneceu à frente da Secretaria da Fazenda até 1988, quando se afastou para se dedicar à campanha de Araújo à prefeitura de Porto Alegre. A derrota de Araújo na candidatura a prefeito alijou o PDT dos cargos executivos. Em 1989, contudo, Dilma foi nomeada diretora-geral da Câmara Municipal de Porto Alegre, mas acabou demitida do cargo pelo presidente da casa, vereador Valdir Fraga, porque “chegava tarde ao trabalho”. Em 1990, Alceu Collares foi eleito governador, indicando Dilma para presidente da Fundação de Economia e Estatística, onde ela estagiara na década de 1970. Permaneceu ali até fim de 1993, quando foi nomeada Secretária de Energia, Minas e Comunicações. Permaneceu no cargo até final de 1994, época em que seu relacionamento com Araújo chegou ao fim. Depois reconciliaram-se e permaneceram juntos até 2000, quando romperam definitivamente. Em 1998, o petista Olívio Dutra ganhou as eleições para o governo gaúcho com o apoio do PDT e Dilma retornou à Secretaria de Minas e Energia. Na gestão de Dilma à frente da secretaria, a capacidade de atendimento do setor elétrico aumentou 46%, devido a um programa emergencial de obras onde participaram estatais e empresas privadas. Em janeiro de 1999, Dilma foi a Brasília alertar as autoridades do setor elétrico de que, se não forem feitos investimentos em geração e transmissão de energia, os cortes que o Rio Grande do Sul enfrentou no início de sua gestão seriam verificados no resto do país. Na crise do apagão elétrico no final do governo Fernando Henrique Cardoso, os três estados da Região Sul não foram atingidos, não sendo imposto qualquer racionamento, pois não houve estiagem na região.
Governo Lula
Eleito presidente em 2002, Lula escolheu Dilma, filiada ao PT dois anos antes, para titular da pasta das Minas e Energia. Sua gestão no ministério foi marcada pelo respeito aos contratos da gestão anterior, pelos esforços em evitar um novo apagão e pela implantação de um modelo elétrico menos concentrado nas mãos do Estado. Quanto ao mercado livre de energia, Dilma não só o manteve como o ampliou. Convicta de que investimentos urgentes em geração de energia elétrica deveriam ser feitos para que o país não sofresse um apagão já em 2009, Dilma travou sério embate com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que defendia o embargo a várias obras, preocupada com o desequilíbrio ecológico que poderiam causar. José Dirceu, à época ministro-chefe da Casa Civil, teve que criar uma equipe de mediadores entre as ministras para tentar resolver as disputas. Ao assumir o ministério, Dilma defendeu uma nova política industrial para o governo, fazendo com que as compras de plataformas pela Petrobras tivessem um conteúdo nacional mínimo, que poderiam gerar 30 mil novos empregos no país. Em 2008, a indústria naval passou a empregar 40 mil pessoas, em comparação às 500 pessoas empregadas em meados da década de 1990, fato que seria decorrente da exigência de nacionalização, levando a indústria naval à condição de sexta maior do mundo em 2009.
Casa civil
Como ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef tinha o apoio de dois dos principais ministros do governo Lula: Antonio Palocci e José Dirceu. Quando Dirceu saiu do ministério por causa do “Escândalo do Mensalão” (2005), ao invés de ficar enfraquecida, Lula surpreendeu escolhendo Dilma para a chefia da Casa Civil. Na pasta, ela foi uma das responsáveis pelo Programa de Aceleração de Crescimento (PAC). Dilma chamou a atenção de Lula pela coragem de encarar situações difíceis e pela capacidade técnica. Em abril de 2007 começaram os rumores de que ela seria a indicada de Lula para concorrer à presidência, mas a candidatura só foi oficializada em 13 de junho de 2010, na convenção nacional do PT.
Atuação política marcou juventude da presidente
Em 1964, Dilma Rousseff prestou concurso e ingressou no curso Clássico do Colégio Estadual Central. Nessa escola pública o movimento estudantil era ativo, especialmente por conta do recente golpe militar. Em diversas entrevistas, Dilma relata que nessa época passou a prestar mais atenção à política e começou ser vista como subversiva. Dilma tinha 18 anos quando ingressou na Política Operária (POLOP), uma organização fundada em 1961, oriunda do Partido Socialista Brasileiro, onde militou ao lado de José Aníbal. Os militantes do grupo logo se viram divididos em relação ao método a ser utilizado para a implantação do socialismo: enquanto alguns defendiam a luta pela convocação de uma assembleia constituinte, outros preferiam a luta armada. Dilma ficou com o segundo grupo, que deu origem ao Comando de Libertação Nacional (COLINA). Para Apolo Heringer, que foi dirigente do COLINA em 1968 e havia sido professor de Dilma na escola secundária, a jovem escolheu a luta armada depois que leu “Revolução na Revolução”, de Régis Debray, um francês que havia se mudado para Cuba e ficado amigo de Fidel Castro. Segundo Heringer, “O livro incendiou todo mundo, inclusive a Dilma.” Foi nessa época que conheceu Cláudio Galeno Linhares, cinco anos mais velho, que também defendia a luta armada. Galeno ingressara na POLOP em 1962, havia servido ao Exército, participara da sublevação dos marinheiros por ocasião do golpe militar e fora preso na Ilha das Cobras. Dilma e Galeno se casaram em 1967, apenas no civil, depois de um ano de namoro.
Colina
O Comando de Libertação Nacional (COLINA) foi uma organização criada a fim de implantar o Socialismo no Brasil e, para tanto, defendia o uso da luta armada. Mas Dilma, apesar de ser membro ativa, não participava diretamente das ações. Segundo companheiros de militância, ela tinha maior desenvoltura e grande capacidade de liderança, conseguindo impor-se perante homens. Dilma era responsável pelos contatos com sindicatos, dava aulas de marxismo e redigia o jornal “O Piquete”. Apesar disso, aprendeu a lidar com armamentos e a enfrentar a polícia. No início de 1969, o COLINA em Minas Gerais resumia-se a algumas dezenas de militantes, com pouco dinheiro e poucas armas. Suas ações haviam se resumido a quatro assaltos a bancos, alguns carros roubados e dois atentados a bomba, que não deixaram vítimas. Em 14 de janeiro, contudo, com a prisão de alguns militantes após um assalto a banco, outros reuniram-se para discutir como libertá-los. Ao amanhecer, foram surpreendidos com a ação da polícia na casa onde estavam e reagiram, usando uma metralhadora do grupo para matar dois policiais e ferir um terceiro. Como um dos presos frequentava o apartamento de Dilma e Galeno, o casal passou a se esconder da polícia e precisou destruir documentos da organização. Ficaram ainda algumas semanas em Belo Horizonte, mas logo tiveram que fugir para o Rio de Janeiro. A família não conhecia o grau de envolvimento de Dilma com essas atividades tidas como subversivas. Depois de alguns meses, Galeno foi enviado pela organização à Porto Alegre. Dilma permaneceu no Rio, onde ajudava a organização, participando de reuniões e transportando armas e dinheiro. Nessas reuniões, conheceu o advogado gaúcho Carlos Franklin Paixão de Araújo, então com 31 anos, por quem se apaixonou e com quem viria a viver por cerca de 30 anos. Araújo era chefe da dissidência do Partido Comunista Brasileiro (PCB, também conhecido como o “Partidão”), e abrigara Galeno em Porto Alegre. A separação de Galeno foi pacífica. Como afirmou Galeno, “naquela situação difícil, nós não tínhamos nenhuma perspectiva de formar um casal normal.” No início de 1969, Araújo passou a tratar da fusão do grupo COLINA com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), liderada por Carlos Lamarca. Dilma participou de algumas reuniões sobre essa fusão, que acabou formalizada em duas conferências em Mongaguá, dando origem a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares). Dilma e Araújo estiveram presentes, assim como Lamarca. Na época, Dilma teria defendido um trabalho político pelas bases, criticando a visão militarista que era a característica de Lamarca e da VPR.
Var Plamares
Carlos Araújo foi escolhido como um dos seis dirigentes da VAR Palmares, que se autointitulava “uma organização político-militar de caráter partidário, marxista-leninista, que se propõe a cumprir todas as tarefas da guerra revolucionária e da construção do Partido da Classe Operária, com o objetivo de tomar o poder e construir o socialismo”. Dilma era uma das líderes da organização e usava vários codinomes, como Estela, Luísa, Maria Lúcia, Marina, Patrícia e Wanda. Ela era definida como “um dos cérebros” dos esquemas revolucionários. Ela teria sido a organizadora do roubo de um cofre pertencente ao ex-governador de São Paulo Ademar de Barros (considerado pela guerrilha como símbolo da corrupção). A ação foi considerada um dos maiores golpes da história do terrorismo no mundo – foram subtraídos 2,5 milhões de dólares e até hoje cercada de controvérsias (leia box nesta página). Depoimentos e relatórios policiais indicavam que coube a Dilma administrar o dinheiro, pagando salários de militantes, encontrar abrigo ao grupo e comprar um Fusca. Dilma lembra apenas do automóvel, mas nega que tenha sido a responsável pela administração do dinheiro ganho em assaltos organizados pela VAR Palmares. A organização também teria planejado, em 1969, o sequestro de Delfim Neto, símbolo do milagre econômico e à época o civil mais poderoso do Governo Federal. O sequestro acabou não sendo realizado porque os membros do grupo começaram a ser capturados semanas antes. Dilma nega peremptoriamente que tenha participado do planejamento da ação. Mesmo com grande quantidade de dinheiro, a organização não conseguiu manter a unidade. Em setembro de 1969, houve uma grande divisão entre os militaristas, focados na luta armada, e os “basistas”, que defendiam um trabalho de massas. Dilma estava com o segundo grupo. Enquanto os primeiros se agruparam na VPR militarista, liderados por Lamarca. Após a divisão, Dilma foi enviada a São Paulo, onde esteve encarregada de manter em segurança as armas que couberam a seu grupo, até a prisão em janeiro do ano seguinte.
O roubo ao cofre de Adhemar de Barros
A participação de Dilma Rousseff na luta armada, durante o período em que o Brasil foi governado por militares, ainda é cercada de muitas controvérsias. Inicialmente ela era tida como apenas mais um membro da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares, a VAR-Palmares, um dos principais grupos armados da década de 60. Mas alguns relatos, no entanto, dão conta que Dilma teve uma importante militância armada, muito mais ativa e relevante do que se pensava. Ela passou por treinamentos com armas, foi duramente perseguida, presa e torturada e teria tido um papel importante em uma das ações mais espetaculares da guerrilha urbana no Brasil – o célebre roubo do cofre do governador paulista Adhemar de Barros. A ação rendeu 2,5 milhões de dólares, uma verdadeira fortuna na época. O assalto ao cofre ocorreu na tarde de 18 de julho de 1969, no Rio de Janeiro. Até então, fora “o maior golpe da história do terrorismo mundial”, segundo informa o jornalista Elio Gaspari em seu livro “A Ditadura Escancarada”. Naquela tarde, a bordo de três veículos, um grupo formado por onze homens e duas mulheres, todos da VAR-Palmares, chegou à mansão do irmão de Ana Capriglioni, amante do governador, no bairro de Santa Teresa, no Rio. Quatro guerrilheiros ficaram em frente à casa. Nove entraram, renderam os empregados, cortaram as duas linhas telefônicas e dividiram-se: um grupo ficou vigiando os empregados e outro subiu ao quarto para chegar ao cofre, que pesava 350 quilos. Pelo plano do grupo, ele devia deslizar sobre uma prancha de madeira pela escadaria de mármore, mas acabou rolando escada abaixo. A ação durou 28 minutos e teria sido coordenada por Dilma Rousseff e Carlos Franklin Paixão de Araújo, que então comandava a guerrilha urbana da VAR-Palmares em todo o país, companheiro de Dilma e que, mais tarde, se tornaria pai da única filha de Dilma. O casal teria planejado, monitorado e coordenado o assalto ao cofre de Adhemar de Barros. Dilma, no entanto, não teve participação física na ação. “Se tivesse tido, não teria nenhum problema em admitir”, disse Dilma durante entrevista quando ainda era ministra das Minas e Energia. Na ocasião a nova presidente do país ressaltou que tem orgulho de seu passado de combatente.
Câncer
Em abril de 2009, Dilma Rousseff revelou que estava se submetendo a um tratamento contra um linfoma, câncer no sistema linfático, que havia descoberto a partir de um nódulo na axila esquerda, em um exame de rotina. O tratamento incluía sessões de quimioterapia. Tratava-se do tipo mais agressivo, mas o nódulo estava em fase inicial e as chances de cura eram de 90%. Em meados de maio, foi internada no Hospital Sírio Libanês com fortes dores nas pernas, sendo diagnosticada uma miopatia, inflamação muscular decorrente do tratamento contra o câncer. No início de setembro do mesmo ano, revelou ter concluído tratamento de radioterapia, dizendo-se curada, o que foi confirmado pelos médicos daquele hospital no final do mesmo mês. Raspou o cabelo antes que ele começasse a cair, devido às sessões de quimioterapia, o que a fez usar peruca durante sete meses, até dezembro de 2009.
Fonte: tribunadonorte.

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